Por Leonardo Mascarenhas
A pergunta que intitula este artigo pode parecer irônica, mas não é. O Brasil vive um momento jurídico e institucional que exige atenção redobrada dos democratas. E aqui falo de democratas de verdade, de todas as vertentes ideológicas, sejam progressistas, liberais, conservadores, de esquerda ou de direita. Falo como cidadão, jurista e defensor intransigente da Constituição da República Federativa do Brasil.
Nesta sexta-feira, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, determinou a retirada imediata de deputados federais e apoiadores que acampavam em protesto pacífico na Praça dos Três Poderes, em Brasília. A ordem, atendendo a pedido da Procuradoria-Geral da República, autorizava inclusive a prisão dos manifestantes, entre eles parlamentares em pleno exercício de seus mandatos.
Não havia baderna. Não havia agressão. Não havia invasão. Havia um acampamento e uma mensagem política.
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A pergunta inevitável é: desde quando manifestar-se pacificamente é crime no Brasil?
Não estamos falando aqui de vandalismo, como ocorreu em 8 de janeiro. Estamos falando de direito constitucional de reunião, previsto no artigo 5º, inciso XVI, da Constituição, e de liberdade de expressão política. A mesma liberdade invocada quando professores grevistas acampam em frente a secretarias de educação, quando militantes sem-terra ocupam o Incra ou quando movimentos de esquerda fazem vigílias nas portas de tribunais com bandeiras, megafones e barracas.
Quantas vezes vimos ocupações simbólicas sendo toleradas por meses?
Onde estavam as ordens de prisão nesses casos? Onde estavam as liminares urgentes? Onde estava a suposta ameaça institucional? Não estavam, porque o princípio da legalidade, nestes casos, foi respeitado. A tolerância ao protesto foi vista como virtude democrática.

O que vemos agora, no entanto, é um silêncio preocupante dos setores progressistas diante da repressão a manifestações que, por serem associadas à direita, parecem indignas de tutela constitucional. Isso é grave. Isso é perigoso. Porque a Constituição não pode ser seletiva. Os direitos fundamentais não têm partido.
Quando um ministro da Suprema Corte autoriza a prisão de parlamentares por se manifestarem pacificamente em praça pública, abre-se um precedente autoritário que nenhum democrata, de esquerda ou de direita, deveria aceitar.
A decisão, embora revestida de juridiquês, carece de verdadeiro lastro jurídico constitucional. A invocação genérica da ordem pública ou da defesa das instituições não pode justificar a restrição de liberdades civis sem que haja elementos concretos de ilegalidade ou ameaça real.
Essa lógica nos aproxima de regimes personalistas, onde a palavra de um homem, ainda que togado, vale mais que a letra da Constituição.
Não se trata de defender partidos ou lideranças. Trata-se de defender a República contra o arbítrio, o pluralismo contra a hegemonia, a igualdade contra o privilégio interpretativo.

Se manifestações de esquerda são protegidas, as de direita também devem ser. Se parlamentares de oposição podem ocupar o plenário com cartazes e discursos inflamados, e devem poder, os de situação também. Ou aceitamos a simetria democrática ou rasgamos de vez a ilusão de que vivemos sob um Estado de Direito.
Estamos testemunhando, sem perceber, a monarquização de um Poder que deveria ser guardião da Constituição, não seu intérprete absoluto e imune a freios.
O Judiciário não pode ser imune à crítica. Não pode ser autorreferente. Não pode calar vozes em nome da estabilidade, porque a estabilidade que se impõe pela força é a antessala da tirania.
Quem hoje aplaude a prisão de manifestantes pacíficos, por conveniência política, talvez seja o perseguido de amanhã. Porque o autoritarismo, quando começa a andar, não escolhe ideologia. Apenas devora adversários.
O Brasil já foi monarquia. Já viveu ditadura. Já foi silenciado. E lutamos muito para conquistar o direito de discordar em praça pública.
Por isso, mais do que nunca, é hora de dizer. Não ao arbítrio. Não ao silêncio. Não à seletividade institucional. Sim à liberdade. Sim à democracia. Para todos.

Leonardo Mascarenhas
Vivendo e respirando o Direito há mais de 21 anos
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