Ad imageAd image

Decisão do TJ da Bahia favorece filho de desembargadora em duelo por cartório cobiçado em Vitória da Conquista

Conquista News
9 leitura mínima

Ricardo Modesto, cuja mãe, Lícia Modesto, integra a cúpula do Judiciário baiano, foi reprovado em concurso, mas acabou nomeado após conseguir polêmica sentença favorável do tribunal onde a magistrada atua

Decisão do TJ da Bahia favorece filho de desembargadora em duelo por cartório cobiçado no interior

Foto: Divulgação

Por: Jairo Costa Jr. 

Uma série de decisões judiciais envolvendo um candidato inicialmente reprovado no primeiro e único concurso público para outorga de cartórios de notas e registros, cuja mãe é desembargadora do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ), colocou sob suspeita a lisura da seleção pelo controle das chamadas serventias extrajudiciais, especialmente, as de alta lucratividade e rendimento. O personagem central desse enredo é o advogado Ricardo Fragoso Modesto Chaves, filho da desembargadora Lícia Pinto Fragoso Modesto, integrante da 3ª Câmara Cível do TJ. Embora tenha obtido nota muito abaixo do mínimo exigido no certame, Ricardo Modesto acabou nomeado, por determinação do próprio tribunal onde a magistrada atua, como delegatário do cobiçado 1º Registro de Imóveis de Vitória da Conquista. 

- Anúncio-

Abaixo da meta
Segundo apurou a Metropolítica, o filho da desembargadora Lícia Modesto obteve apenas 2,39 pontos na segunda etapa do concurso. Com isso, foi eliminado por não alcançar a nota mínima exigida de 5,0 pontos, mas ingressou com recurso administrativo junto ao Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e Seleção e de Promoção de Eventos (Cebraspe), que organizou a seleção realizada em 2013, quando ainda se chamava Cespe. No entanto, a entidade rejeitou o pedido de Ricardo Modesto e manteve a nota zero atribuída a ele na prova prática, sob alegação de fuga ao tema. Diante da recusa, o advogado ajuizou ação na 7ª Vara da Fazenda Pública de Salvador, na qual pediu nova correção e a suspensão do concurso até que sua prova fosse reavaliada. É aí que as suspeitas que recaem sobre sua nomeação recente começam a tomar forma. 

Nada de novo
O pedido em caráter liminar foi apreciado pelo TJ por meio de um agravo de instrumento interposto na corte em 2016. O tribunal, então, determinou nova correção da prova prática e afastou o fundamento de fuga ao tema, mas condicionou a eventual reabilitação de Ricardo Modesto ao concurso à obtenção da nota mínima. Após a recorreção, a nota do advogado subiu para 4,8, pontuação ainda insuficiente para que ele fosse aprovado. Mesmo assim, o filho da desembargadora apresentou sucessivos recursos à Justiça, que entendeu haver inovação indevida nos pedidos do candidato, ao tentar introduzir novas alegações e pleitos que não constavam na petição inicial. A sentença foi julgada parcialmente procedente, contudo, apenas confirmando a nova correção já realizada e reafirmando que o Poder Judiciário não pode substituir a banca examinadora, conforme precedente de repercussão geral fixado já fixado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Cavalo de pau 
Inconformado, Ricardo Modesto interpôs apelação, no qual pleiteou que o próprio TJ atribuísse pontuação adicional aos itens da prova — pedido que não constava da ação original. A 1ª Câmara Cível do tribunal rejeitou o pedido e manteve a sentença, por entender que o juiz de primeiro grau havia julgado a causa dentro dos limites da legislação, conforme determinam os artigos 141 e 492 do Código de Processo Civil (CPC). Entretanto, a reviravolta veio através da análise dos embargos de declaração apresentados pelo advogado. O Plenário Virtual da 1ª Câmara Cível rejeitou mais uma vez o recurso do candidato, mas reconheceu, em decisão de ofício – ou seja, por decisão monocrática de um dos integrantes do colegiado -, uma suposta nulidade parcial da decisão anterior e, de forma inédita e sem respaldo em pedido formal, dobrando a pontuação originalmente concedida pela banca a um dos itens da prova. 

Milagre do crescimento
A decisão da 1ª Câmara Cível alterou a nota final de Ricardo Modesto para 6,0 pontos, garantido que ele fosse aprovado e convocado para as fases seguintes do concurso. Contultados pela coluna, juristas e lideranças de associações que representam os delegatários de cartórios privatizados na Bahia por lei em setembro de 2011 apontam que a decisão viola frontalmente os limites da demanda judicial, uma vez que o tribunal concedeu pontuação e resultado favorável sem que houvesse pedido nesse sentido. O que contraria expressamente o CPC. Além disso, o ato foi considerado pelas fontes ouvidas como uma afronta ao entendimento fixado pelo STF, que veda a interferência do Judiciário no mérito da correção de provas de concurso público.

Só na multidão
Mesmo após o encerramento do concurso para os demais candidatos, Ricardo Modesto prosseguiu isoladamente nas etapas seguintes e acabou classificado na 100ª posição. Em 15 de outubro de 2025, o Diário da Justiça da Bahia publicou a escolha do advogado para o Cartório de Registro de Imóveis do 1º Ofício de Vitória da Conquista, uma das serventias mais lucrativas do estado — e que, segundo registros, não havia sido disponibilizada aos candidatos mais bem classificados. Tal indício reforçou a desconfiança de irregularidade e prejuízo direto aos concorrentes que o antecederam. Vale lembrar que o antigo delegatário do cartório de Conquista, Carlos Bramont, foi flagrado cobrando propina para emitir documentos fraudados e acabou condenado em 2018 a nove anos de prisão por integrar um esquema de tráfico internacional de armas de fogo.

Pulga na orelha
O caso se tornou ainda mais delicado diante do fato de que Ricardo Modesto é filho de uma desembargadora do próprio tribunal que proferiu a decisão. A condição de familiar direto de membro da corte vem alimentando suspeitas de favorecimento e quebra dos princípios da impessoalidade e moralidade administrativa. Diante do cenário, a Associação Nacional de Defesa dos Concursos para Cartórios (Andecc) ajuizou uma ação rescisória para tentar anular a decisão que beneficiou o advogado. No entanto, o TJ extinguiu liminarmente a ação, sob o argumento de que a entidade não possui legitimidade para propor tal demanda, apesar de sua finalidade institucional incluir a defesa da legalidade e moralidade nas seleções públicas de outorga de delegações notariais e registrais.

Fio da suspeita
Para especialistas, o episódio expõe um grave precedente de insegurança jurídica e violação de princípios constitucionais. Mais do que isso. Para as fontes consultadas, a decisão coloca em xeque a transparência, a isonomia e a credibilidade do sistema de concursos públicos, com notório desequilíbrio de tratamento entre os candidatos — especialmente quando o beneficiário tem vínculo de parentesco direto com membro do tribunal responsável pela decisão. “Quando um tribunal concede, sem pedido, uma nota que altera o resultado de um concurso — ainda mais em benefício de um parente de magistrado —, fere-se a confiança no sistema e na imparcialidade da Justiça”, avaliou um especialista ouvido de forma reservada.

Caso ou acaso?
Em tempo: a desembargadora Lícia Modesto é arelatora de outro caso rumoroso noticiado recentemente pelo portal Metro1 e pautado para ser julgado hoje pelo Pleno do TJ, a apenas três dias de sua aposentadoria. A questão envolve a súbita mudança de foro do processo de recuperação judicial do Grupo Metha (antiga OAS) da Bahia para São Paulo, cujo desfecho pode travar o pagamento de direitos trabalhistas para 1,7 mil trabalhadores da construção civil no estado, todos ex-empregados da construtora que esperam há anos pela indenização fruto do acordo judicial da empreiteira  com credores.

Por: Jairo Costa Jr. 

Deixe um comentário

Share via
Send this to a friend