Por Leonardo Mascarenhas
Se você é lulista ou bolsonarista, talvez nem queira ler este texto. Já aviso desde o início: o que escrevo aqui não vai agradar a nenhum dos dois lados.
Diante da conclusão do voto da ministra Cármen Lúcia e do início do voto do ministro Cristiano Zanin, posso enfim escrever o que vinha aguardando sobre o julgamento de Bolsonaro.
Fico na posição mais difícil de todas: não é a posição dos que simpatizam com a esquerda, nem a dos que simpatizam com a direita. É a posição de quem olha para o Direito, para a Justiça e para o processo.
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Lembro que, lá atrás, quando eu ainda não escrevia em blogs, mas conversava nas rodas de amizade, dizia que Lula deveria ser inocentado. Fui duramente criticado. “Como pode dizer isso diante de tantas provas cabais?”, me perguntavam. E eu respondia: o processo nasceu errado. Moro e os procuradores atropelaram garantias, violaram ritos. E sempre repeti: um processo errado gera instabilidade jurídica para todo o país.
Sem processo justo, não há condenação legítima.
É essa instabilidade que vemos agora no caso de Bolsonaro. O erro do passado contamina o presente. Politicamente, muitos queriam ver Lula condenado a qualquer custo. Mas juridicamente aquilo foi um desastre. E desse desastre nasceu Bolsonaro.
Bolsonaro surgiu do vazio criado pelo processo equivocado contra Lula. Um deputado que virou símbolo da indignação contra a corrupção, alguém que dizia o que muitos não tinham coragem de dizer. Mas, quando chegou ao poder, não conseguiu governar, faltou-lhe liturgia, traquejo político e visão de estadista.
Chegamos então ao 8 de janeiro. Para mim, não foi uma tentativa bem estruturada de golpe, mas sim a falha de um plano maior de manutenção do poder. Suspeito disso, ainda que sem provas cabais. Ao mesmo tempo, reconheço: havia uma pretensão de permanecer no poder a qualquer custo, o que é grave para qualquer democracia.
O problema é que, diante desses indícios, iniciou-se mais uma vez um processo errado. Concordo com o ministro Fux: não há competência, não há contraditório, não há ato executório. Politicamente, muitos podem dizer que Bolsonaro precisa ser contido. Juridicamente, o processo está viciado.
É importante lembrar que o ministro Luiz Fux foi nomeado ao Supremo por Dilma Rousseff, em um governo de esquerda, e, portanto, em tese, poderia ter qualquer inclinação política nesse sentido. No entanto, o voto dele mostrou o oposto: não se deixou contaminar pela paixão partidária, tampouco pelo momento político. Condenou Mauro Cid e Walter Braga Netto quando entendeu haver elementos, mas em relação a Bolsonaro e à maioria dos réus apontou, com rigor técnico, que o processo estava errado desde a origem. Esse é o exemplo de um julgamento jurídico, fundado no Direito, e não em conveniências políticas.
É por isso que digo: Bolsonaro não teve liturgia política, não respeitou os limites do cargo. Mas também não pode ser condenado a qualquer preço. Justiça não é palco de gincana entre lado A e lado B. Justiça é aplicação da lei, das garantias e da Constituição.
Se digo que havia indícios de corrupção no entorno de Lula, desagrado seus apoiadores. Se digo que Bolsonaro tentou se manter no poder, desagrado seus eleitores. Se digo que o processo contra ambos nasceu errado, não agrado a ninguém. Mas essa é a verdade: a lei não tem lado: ou se aplica corretamente, ou deixa de ser Justiça.
E esse é o grande problema do Brasil hoje: quando a Justiça se deixa capturar pela política, ela perde sua legitimidade. Quando a política ignora a liturgia, ela perde sua autoridade. O resultado é um país polarizado, sem centro, sem equilíbrio.
A Justiça não foi feita para agradar um lado ou outro. Ela existe para dar segurança. E só haverá paz quando os julgamentos forem feitos com técnica, respeitando a lei, e não com base em paixões ou conveniências do momento.
Quando a Justiça se rende à política, a democracia inteira perde.

Vivendo e Respirando o Direito há mais de 21 anos
Leonardo Mascarenhas
