Por Leonardo Mascarenhas
Era só mais uma viagem a trabalho. Mas virou um retrato perfeito do abandono, da desorganização e da falta de respeito com quem vive, produz e investe em Vitória da Conquista — e em toda a região Sudoeste da Bahia.
Na madrugada da última quinta para sexta-feira, meu voo não decolou. O avião da Latam não conseguiu pousar no Aeroporto Glauber Rocha devido ao nevoeiro denso — e como o aeroporto não tem o equipamento necessário para operar nessas condições, fui obrigado a remarcar. Só consegui embarcar na manhã de sexta, com horas de atraso, perdendo compromissos profissionais importantes em São Paulo.
Na volta, o problema foi ainda maior. No sábado, o voo simplesmente não conseguiu pousar em Conquista e foi desviado para Belo Horizonte. Os passageiros do LA 3422, incluindo eu, passaram a madrugada inteira no aeroporto sem hotel, sem alimentação, sem assistência mínima e sem garantia de retorno. Foram horas de incerteza, desrespeito e exaustão física e emocional. Um abandono completo.
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A companhia aérea falhou? Sim. Mas o verdadeiro responsável é o poder público, que até hoje não equipou nosso aeroporto com o mínimo necessário para funcionar com dignidade.
Essa experiência me fez enxergar com mais clareza o que todos nós já sentimos, mas poucos dizem: o aeroporto de Conquista não está à altura das necessidades da região que atende. E todos nós, que vivemos no Sudoeste baiano, pagamos essa conta.

Um aeroporto moderno, que paralisa por meses
O Aeroporto Glauber Rocha foi inaugurado com discurso de modernidade, mas sem um sistema básico: o ILS (Instrument Landing System), que permite pousos mesmo sob baixa visibilidade — tecnologia comum em aeroportos de médio porte.
Conquista está localizada numa área elevada, com forte umidade e grande oscilação térmica — ou seja, nevoeiros são esperados e recorrentes, principalmente entre maio e setembro. Estima-se que em pelo menos 150 dias por ano, o aeroporto funcione com sérias limitações de visibilidade, principalmente nas primeiras horas da manhã e à noite.
Isso significa que por quase metade do ano, a cidade e toda a região ficam vulneráveis, reféns de um aeroporto que opera de forma precária — sem regularidade, sem previsibilidade e com alto índice de cancelamentos e desvios.
E o mais inacreditável: esse novo aeroporto foi construído exatamente para corrigir esse tipo de falha do antigo terminal, que já sofria com cancelamentos frequentes por falta de estrutura para operar com segurança em dias de nevoeiro.
É surreal. É ilógico. É inadmissível.
Fizeram um aeroporto novo, mantendo o mesmo erro estrutural do antigo.
Como algo que nasce para ser solução se mantém como problema?

Local errado, relevo hostil e decisões sem lógica
O aeroporto foi construído em uma baixada úmida, onde a condensação do ar é intensificada. Resultado: nevoeiro mais denso, mais persistente e com visibilidade frequentemente abaixo dos padrões operacionais.
Enquanto isso, a área após o posto da Polícia Rodoviária Estadual, sentido Brumado, oferecia relevo mais elevado, seco e seguro, com menor densidade urbana e fluxo rodoviário reduzido — uma alternativa infinitamente mais racional e segura.
Mas essa região foi ignorada, e hoje pagamos o preço de uma decisão mal planejada, mal executada e jamais corrigida.
Acesso difícil, BR saturada e risco real
A única via atual para acessar o aeroporto é a BR-116 — uma rodovia federal sobrecarregada, em constante reforma, com altos índices de acidentes.

Não há transporte público funcional. A sinalização é precária. O trajeto é lento, perigoso e imprevisível.
E o mais grave: não há plano alternativo. O acesso mais viável, pela saída para Brumado, foi desconsiderado desde o início, e hoje não existe mais margem de reversão logística. O que resta é a necessidade urgente de compensar essa escolha equivocada com investimento em tecnologia e estrutura.
Quando o maior evento da cidade está por um fio
O Festival de Inverno Bahia é o ponto alto do calendário turístico de Conquista. Movimenta hotéis, bares, restaurantes, transporte, lojas, turismo e cultura.
Mas esse evento, que é orgulho para a cidade, corre risco real de colapsar se o aeroporto continuar instável.
Basta um artista não conseguir pousar. Um voo cancelado. Uma neblina previsível e ignorada. O resultado? Prejuízo imediato, reputação manchada, perda de credibilidade para o festival e para a cidade.

E se o voo cancelado custar uma vida?
Agora pense além do entretenimento.
Pense em um paciente com cirurgia marcada. Em uma criança com câncer. Em um órgão para transplante.
E em um avião que não pousa por falta de estrutura mínima.
Esse é o cenário real de Conquista. Um aeroporto que, ao falhar, coloca vidas em risco.
Onde está a nossa liderança?
Cadê a bancada federal da Bahia?
Cadê os deputados estaduais, os senadores, a prefeita, os vereadores? Cadê a concessionária Socicam, que lucra com o terminal, mas não entrega o básico?
Não é possível continuar aceitando esse silêncio como normal. A região precisa reagir.
A incoerência de falar em desenvolvimento ignorando a infraestrutura básica
Hoje se discute crescimento, integração, investimentos.
Mas com que estrutura?
Como falar em desenvolvimento regional com um aeroporto que falha quase metade do ano?
Como prometer integração se não garantimos o mínimo: um voo que pousa com segurança?
Vitória da Conquista é polo de mais de 80 cidades. O Aeroporto Glauber Rocha não é um aeroporto municipal — é regional. E o que afeta ele, afeta Poções, Itapetinga, Jequié, Brumado, Caetité, Livramento, Caculé, Planalto, Barra do Choça, Ibicuí e tantas outras.
É hora de parar de aceitar.
É hora de exigir.
Vitória da Conquista — e toda a sua região — não podem mais viver à mercê do clima, da negligência e da omissão.
Se queremos respeito, precisamos gritar. Com dados. Com verdades. Com coragem.
Não é sobre nevoeiro.
É sobre planejamento que nunca existiu, representação que nunca agiu, e respeito que há muito tempo foi cancelado — como o nosso voo.

Leonardo Mascarenhas
Vivendo e respirando o Direito há mais de 21 anos.
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